sábado, 14 de setembro de 2013

Novos desafios, novos limites


13 de Janeiro


Enquanto tomávamos o pequeno almoço, os olhares em direcção às torres e os comentários que fazíamos não deixavam margem para dúvidas, o dia anterior tinha deixado as suas marcas. Marcas felizes, boas, que tão depressa não se apagarão.
Meio a dormir, a ajustar as alças das mochilas e a tentar convencer o corpo que andar aquelas horas era uma boa ideia, lá estávamos nós a dar os primeiros passos. Ainda nem tínhamos chegado à primeira placa informativa e já estávamos de boca aberta, estupefactos, a tentar absorver a beleza dos tons matinais que a paisagem nos oferecia e a tranquilidade com que uma raposa passeava à nossa frente.

Assim começou este dia.
Os primeiros 15 minutos foram feitos à medida, para poder ir despertando os sentidos. Um passeio tranquilo por um trilho plano, com alguns toques especiais a despertar interesse (como a primeira ponte do dia). Passados esses primeiros minutos começava a subida. Nada do outro mundo, mas a questão é saber ir com calma, passar a mensagem ao cérebro que “devagar se vai ao longe” e que somos capazes. Não deixar que seja uma parte do nosso cérebro a dizer-nos a nós que é demasiado difícil, que se já me está a custar então nunca vou conseguir...etc.
Com estes diálogos “razão” vs “emoção” a acontecerem dentro de cada um, lá seguimos caminho encosta acima.

Um dos pormenores engraçados que tem este caminho é que ao longo do percurso as torres vão aparecendo e desaparecendo, consoante a zona onde se está. Como disse no princípio, das tendas tínhamos visto o topo das torres, agora em toda esta primeira parte do percurso não íamos deitar olhos nas torres até chegar à primeira “zona de paragem”, mais ou menos 2 horas depois de arrancar.



Mesmo antes de chegar a esta merecida zona de descanso, uma das partes mais bonitas do percurso: uma ponte de madeira sobre o rio, bem na base do vale e com as torres a espreitarem lá ao fundo. Sorrisos abertos para a foto, uns metros de conversa sobre o percurso e por fim, uma pausa de contemplação! Ou seja, uma paragem estratégica para apreciar a paisagem, tomar um cházinho, comer uma peça de fruta e uma bolachas, rever como estamos de água, ir à casa de banho e preparar-nos para a próxima parte do percurso.

Arrancámos ainda mais animados (o que fazem 15 minutos de conversa e papinha!) seguindo por um sector mais arborizado, com algumas subidas e descidas, mas que no seu total, não tinha grande inclinação. Tal como na primeira parte do caminho, acabámos por dividir-nos em dois grupos, para que cada um seguisse a seu ritmo, sem interferir no ritmo dos outros. Meninos mais à frente, meninas mais atrás.

Até aqui tudo normal. Resulta que antes de chegar às torres, há mais um ponto de paragem (outro parque de campismo) a 100m do caminho principal. Ora, os meninos, sabendo da necessidade constante do sexo feminino por casas de banho, resolveram esperar pelas meninas nesse mesmo ponte de paragem. Esperaram...esperaram...esperaram...e as meninas não apareceram. Depois de ter voltado para o desvio do caminho (estava à chapa do sol) que dava para o parque de campismo e de perguntar a várias pessoas que passavam se tinham visto as tais membras femininas da comitiva (recebendo sempre a mesma resposta: “não, não passamos por elas”) só havia uma resposta possível: a única vez que deviam ter ido à casa de banho em toda a viagem...tinham decidido seguir! Qual “que estranho eles terem arrancado sem nós” ou “será que eles não pararam no parque, à sombra, à nossa espera?”, não...nada de perguntas destas, só continuar caminho, sem avisar ninguém! Que bonito!
Bem, lá seguimos encosta acima. Agora sim era a doer. Não era suave, nem gradual, nem nada que se pareça. Era bruto, seco, ao sol e sempre a subir! Ao melhor estilo patagónico: “queres mesmo? Então esforça-te!”.
O último pedaço da subida parece tirado de um qualquer filme de um planeta distante, fazendo lembrar o que numa competição de BTT seria chamado de “Rock Garden”¹ mas neste caso não é nenhum “quintal”, é uma cidade inteira de pedras e pedregulhos soltos!
Chegados ao topo, lá estavam as Torres del Paine. Imponentes paredes de rocha maciça. Percebe-se porque dão nome ao parque. Percebe-se porque despertam curiosidade suficiente para levar pessoas a fazer kilometros e kilometros para as poder contemplar.


Pensar que já houve uns quantos malucos que as escalaram até ao cimo...inacreditável. Não me refiro “só” à altura ou dificuldade das vias de escala mas a todo o conjunto de factores que influenciam uma ascensão deste tipo num clima patagónico. A exposição aos elementos, a variabilidade meteorológica, a distância a que estão os pontos de auxílio... A expressão “não é para todos” neste caso não faz sentido, é totalmente enganadora. Não é uma questão de não ser para todos, é mesmo para muito, muito, muito poucos. E a esses, tiro-lhes o meu chapéu.
Quanto às meninas: estavam sentadinhas ao sol, a comer tranquilamente! Menos mal, pelo menos agora tínhamos a certeza que não se tinha passado nada, que estava tudo bem. Basicamente não se tinham apercebido que íamos estar à espera delas na paragem anterior e pensaram que como já não faltava muito, tínhamos decidido seguir caminho até às torres.

***
Em defesa do sexo feminino

As meninas, que aparentemente ficaram para trás, não o fizeram simplesmente para apreciar a paisagem. As três membras femininas experienciaram momentos importantes de superação, motivação e luta. O início do caminho que para muitos poderia ser fácil não o foi para toda a comitiva feminina, além do mais jogando com o psicológico: “se isto ainda agora começou e eu estou assim, nunca vou chegar...” ou “bem tanta gente a passar por mim e eu quase sem respirar, não vou conseguir”. Pois é, tivemos que lutar contra o cansaço e a parte psicológica, que muitas vezes multiplica por 10 as dificuldades reais. Mas lá fomos caminhando, pensando em pequenos objectivos e a frustração foi, gradualmente, substituída pela gratificação de ter progredido um pouco mais, de ter chegado ao cimo de subida. E assim foi, com algumas músicas e jogos lá pelo meio para animar a malta, até que chegámos ao famoso desvio antes do último pedaço do caminho até às torres. Nessa altura a moral estava em alta e faltava tão pouco, que nunca nos passou pela cabeça que os meninos estariam à nossa espera no parque de campismo. Estávamos motivadas, com energia e lá continuámos o caminho, encarando desta vez a difícil subida (já descrita acima) com humor, afinal faltava tão pouco. E foi assim que depois da árdua subida lá estavam as imponentes torres, mas...nada de meninos como estávamos à espera. E daí, entre procurar, especular, sentir-nos culpadas por não termos confirmado se estavam no desvio, lá chegaram os meninos para juntar-se a nós a admirar tão imponente lugar.
***

Agora estava na hora de aproveitar a paisagem, de almoçar, de descansar o corpo, recargar baterias e deixar a alma absorver todo o esplendor do cenário que nos envolvia.
No entanto, tínhamos todos a sensação que as baterias se tinham carregado demais e que agora pesavam o dobro! É o que dá deitar uns minutinhos ao sol depois de comer, aparece a moleza!
Nada de grave, não tínhamos pressa e aos poucos, lá nos fomos mexendo, tirando umas fotos de grupo, aproveitando para ver as torres de ângulos ligeiramente diferentes e por fim, lá começámos a descida.
Todos juntos, aos poucos, lá fomos andando e a cada meia-duzia de passos, olhando para trás. Sim, era verdade, tinhamos estado mesmo ao lado das torres que agora deixávamos para trás.
Poder-se-ia pensar que ao voltar pelo mesmo caminho que já tinhamos feito, este perdesse algum do interesse ou da magia. No entanto, o que se passou foi bem diferente.
Na volta, tivémos possibilidade de ver o caminho de outro ângulo: experiementar a dureza de alguns pontos de descida que ao subir nem tinham parecido tão difíceis; sentir que o campo de visão se abria cada vez mais à medida que iamos saíndo do vale, em vez de ficar cada vez mais focada num ponto, como tinha acontecido no sentido contrário; a possibilidade de tirar bem para o fundo da memória aquela voz interior que nos dizia que não eramos capazes, mostrando-lhe a cada passo: “Eu pude! Eu já passei por aqui. Superei-te, superei-me. Fui e estou de volta, com um sorriso nos lábios.”.
Para uns o caminho tinha valido acima de tudo pela experiência pessoal, para outros pela possibilidade de ver de perto algo que pouco tempo antes não passava de um sonho. Mas o mais importante era que para todos, o caminho tinha ainda mais valor por o termos feito todos juntos. Cada um com o seu motivo, cada um com as suas forças, cada um com as suas fraquezas, mas no final (minto, não foi só no final mas sim ao longo do caminho) cada um com o seu sorriso.

Este caminho sei que não o teriam escolhido sozinhos, não seria para vocês uma prioridade. Obrigado Catarina, São e Rui por terem aceite o desafio, por terem enfrentado de frente algo que parecia tão fora da vossa zona de conforto. Obrigado por acreditarem nas nossas palavras e por me ajudarem a poder cumprir o sonho de ver de perto as Torres del Paine.

Saludos y Besos


¹ “Rock Garden” - é o nome dado a determinadas zonas, em percursos de BTT, que assemelham “quintais” de pedras. São zonas normalmente com inclinação e com pedras com fartura, o que as transforma em zonas técnicas e onde as quedas são muitas vezes bastante espalhafatosas! A foto do lado é do rock garden do percurso dos Jogos Olímpicos de Londres. Precisamente onde o nosso amigo e grande atleta olímpico David Rosa, teve uma queda com direito a repetições de vários ângulos e tudo!

1 comentário:

  1. Obrigado também a vocês por terem acreditado que eramos capazes, alias com vocês como guias estamos sempre à vontade.
    Foram dias inesquecíveis que irão ficar sempre gravados na nossa memória individual e coletiva.
    Fizemos parte de um vosso sonho que para nós parecia impossível.
    Vamos querer estar outra vez num outro sitio qualquer. Beijinhos e abraços.

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